quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Querida Mãe

 
QUERIDA MÃE

É este o primeiro Natal que passo longe de ti.

A saudade que tenho dentro de mim é tão grande que, sem querer, sinto um enorme vazio no peito e os olhos já sem querer, diversas vezes, se me arrazaram de água!

Acredita Mãezinha que não estou a ser piegas, pois a vida há muito se encarregou de me fazer perder esses sentimentalismos e aqui, onde se luta, não há tempo para comoções desta espécie.

Também não é porque me sinta triste ou me sinta doente, pois de saúde, graças a Deus, estou bem.

É talvez porque as recordações que neste momento me ocorrem são terrivelmente nitidas e as saudade do que já foi é tão pungente, que até os pormenores que até aqui me pareciam perdidos num nevoeiro espesso, se tornaram hoje mais nitidos e os seus contornos agora estão absolutamente definidos!

Acreditas Mãezinha que hoje já me passaram pela lembrança todos os Natais da minha vida?

Lembro-me, quando ainda era novo pequenino, tu me aconchegavas na minha caminha, para que o frio que havia lá fora nada podesse contra mim. Quando então me me davas aquele beijo tão quente e terno docemente me embalavas para que o sono viesse breve eu lutava desesperado pois queria não me deixar dormir para ver se daquela vez eu iria ver o Menino Jesus descer pela chaminé com o seu saco de presentes!

Lembras-te daquele Natal em que nevou? Lembras-te Mãezinha, quando de manhã cedinho saltei da cama e descalço corri para a janela e achatando o nariz nas vidraças geladas, bati as mãos inocentes de contente ao ver tudo coberto de neve?

- Que lindo Natal foi aquele!

Recordo-me de todas as nossas ceias de consoada, quando o Avôzinho que toda a vida teve a cabeça coberta de neve tão branca e imaculada como o manto que cobria a sujidade dos caminhos, me ensinava a pôr as mãos e então rezavamos por todos aqueles que tinham plantado as árvores cujas achas agora ardiam e crepitavam na lareira e, por aqueles que tinham contribuido para que a ceia da consoada fosse tão quente e tão feliz! Acreditas minha mãe, que ainda hoje me impressionam somente de pensar naqueles breves instantes de meditação e respeito, pois então sentia como que a presença de todos os antepassados à volta daquela mesa imaculada!? Era decerto modo o tributo que tinhamos para pagar para com eles!

- Era de facto um momento solene!

E quando todos juntos iamos repartir as «filhós» e as rabanadas, pelos parentes, pelos amigos, pelos criados, e pelos pobrezinhos!

Este Natal será para mim bem diferente! Podes crer que contudo aqui no meu Batalhão nos vamos esforçar para que desta minha nova Familia, este Natal seja igual àqueles que cada um passava em nossas casas.

Olhe Mãezinha, vamos ter na noite de Natal um serão onde camaradas meus tocarão, pois formaram cá um conjunto musical, «Gemeos-6». Teremos teatro feito por um grupo de moços que foram ensaiados por um outro que era já artista na vida civil. Havemos todos de cantar as canções que o nosso Capelão nos ensinou e aqueles que sentirem vocação para o fado cantarão também; mas então nós ouviremos em silêncio. Como vês vamos fazer u serão como aqueles que faziamos ai à lareira! Sabes minha mãe também também vamos ter a Missa do Galo! Simplesmente é pena que cá não neve pois assim a noite talvez fosse irmã daquela que tu ai vais passar, mas se fecharmos os olhos não será dificil ver nas nossas mentes, a paisagem quente da noite toda branca e imaculada como eram as noites frias de Natal da nossa infância e se Deus quiser havemos de ter Paz naquela noite!

Então quando erguermos a Deus as nossas preces, havemos de lembrar aqueles dos nossos que já partiram para a Eternidade e também aquelas Mães para quem este Natal de Saudade, pois não têm ao menos como tu, uma carta do filho querido distante. Havemos de pedir também pela nossa querida Pátria, para que a Paz volte à nossa Terra e para que não seja jamais preciso que os nossos irmão mais novos tenham que vir passar Natais como este, onde a presença do arame farpado diga que a Paz ainda não chegou.

E quando o nosso Capelão nos lançar a sua benção, havemos de ir depois atacar, mas desta vez o bacalhau com batatas e se tivermos de fazer saùdes eu hei-de brindar por ti, minha querida Mãe para que Deus te dê um Natal Feliz, para que te dê uma vida longa e embora a distância que nos separa seja grande, havemos de vos ter ter a todos na mesa da nossa consoada.

Quando por fim o dia vencer a noite tornar-nos-emos todos a reunir, os do Batalhão para assistirmos a uma tarde desportiva. Queres saber um segredo? Nós cá na Companhia estamos já a treinar para ver se conseguimos ganhar todas as competições não esquecendo claro está, o concurso de Presépios, em que queremos que o nosso seja o melhor!

Como vês querida mãe, temos muito que fazer para aqui prepararmos o nosso Natal, que queremos belo e sublime como foram todos aqueles que nós passamos com as Familias. Queremos que cada um se sinta mais próximo de nós um Natal feliz e de Paz. Queremos também que este Natal seja o prelúdio de uma época de Paz e que aqueles, que outros fizeram nossos inimigos, voltem ao nosso convívio e que para o próximo Natal os possamos já juntar na mesa da nossa consoada.

Que para todos os Homens haja Paz, pois nós querida Mãezinha, batemo-nos para que isso aconteça e talvez por isso, nós os que fazemos a Guerra a saibamos apreciar melhor do que muitos outros.

E afinal, querida Mãe, depois de te ter escrito estes desabafos estou melhor como aconteceu sempre em toda a minha vida. A saudade que sentia, embora ainda seja imensa, já não é tão torturante. Agora sinto-me melhor!

Mãe, que o teu Natal seja o melhor dos Natais que houver no Mundo!

Beija-te o teu
FILHO


Transcrito por A.David do Jornal do B.CAV.1883 - «O Dragão» de Dezº de 1966

Sem comentários:

Enviar um comentário